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Chupeta, mocinha ou vilã?

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Por Patrícia L. Paione Grinfeld

O uso da chupeta divide opinião entre pais e especialistas, não apenas no que se refere às questões mecânicas e funcionais, mas também em relação aos aspectos emocionais envolvidos.

Alguns alegam que seu uso é prejudicial, especialmente nos primeiros meses de vida, por atrapalhar a pega do bico no aleitamento materno e, portanto, a produção de leite – tal pressuposto justifica o protocolo de muitas maternidades de não permitirem seu uso enquanto o recém-nascido está sob seus cuidados. Aos que se opõem ao uso da chupeta, há aqueles que entendem que a necessidade de sucção é plenamente atendida com as mamadas (o que leva este público a advogar em favor da amamentação através da livre demanda), ou, que se esta necessidade não for suprida com a amamentação, o bebê poderá obtê-la chupando o próprio punho ou dedo. Vale ressaltar que a sucção é um reflexo natural do recém-nascido, podendo ser observado já na vida intrauterina.

Em contrapartida, temos aqueles que defendem seu uso por: 1) temerem a instalação de um hábito que utiliza parte do corpo, e que isto  se torne um comportamento que precisa ser erradicado posteriormente; 2) entenderem que o seio materno ou bico da mamadeira não deve ser fonte de prazer desvinculada da alimentação; e, 3) acreditarem que a chupeta assegura certa “tranquilidade” ao bebê e a quem cuida dele.

Seja qual for o ponto de vista que norteia o uso ou não da chupeta, é importante considerar que cada bebê é um ser único, com necessidades específicas e nem sempre congruentes com as necessidades ou possibilidades do adulto cuidador. Além disso, alguns bebês têm maior ou menor necessidade de sucção, podendo, inclusive, recusar o uso da chupeta sem buscar um substituto.

Logo nas primeiras mamadas, o bebê descobre que a sucção, além de fonte de alimento, é também fonte de prazer e, por consequência, de relaxamento e bem-estar. Conforme vai explorando o mundo que o cerca, incluindo seu próprio corpo, percebe que pode obter sensação semelhante à obtida durante a amamentação; por isso ele leva à boca, o dedo, o punho, um pedaço de pano e, mais tarde, outros objetos e brinquedos, de forma mais ou menos intensa. Ele quer repetir as experiências prazerosas e confortantes (atenção, carinho, acolhimento, segurança) que ele teve com as mamadas. Nesse sentido, a chupeta pode se tornar um recurso para tal.

No entanto, a equação do seu uso não traz um resultado exato, como revelam os dois significados que a palavra chupeta tem na língua inglesa: pacifier = pacificador, acalmador e dummy = mudo, calado. Sua função tranquilizadora não pode ser silenciadora.

Entender o que um bebê quer dizer não é tarefa fácil, especialmente nos primeiros meses de vida, quando mãe, pai, cuidadores e bebê estão se conhecendo. Portanto, ao mesmo tempo em que a chupeta pode minimizar a angústia presente na situação (seja ela do bebê ou do adulto), ela também pode, se for usada indiscriminadamente, como única alternativa possível para responder às manifestações do bebê, tamponar a tentativa de comunicação do bebê com o ambiente. Nessas situações poderíamos indagar: afinal quem precisa de conforto quando o bebê chora, dorme ou está sozinho?

Oferecer, por exemplo, a chupeta para o bebê dormir antes mesmo que ele apresente qualquer dificuldade para adormecer pode indicar uma dúvida em relação à capacidade dele de adormecer sozinho (esbarramos aqui na ideia do bebê como um ser completamente dependente, com pouca ou nenhuma competência e autonomia). De certa forma, esta atitude também minimiza a culpa por “deixar” o bebê – no berço, no carrinho, nos espaços de brincadeira. No imaginário de muita gente, a chupeta serve de companhia permanente ao bebê. Não é por acaso que muitos pais optam pelo uso de um prendedor na roupa, nada recomendável do ponto de vista da higiene (pela contaminação por sua constante exposição), da segurança física (representa risco de enforcamento) e da saúde emocional, já que designa o bebê à condição de incapaz de ficar só – o que é muito diferente de abandonar ou negligenciar cuidados.

Dar a chupeta para o bebê que chora pode ser apenas paliativo, na medida em que oferece algum conforto, às vezes, pelo simples fato da presença de alguém lhe dando atenção, mesmo que através de um objeto. Então, cabe-nos a pergunta: será que a chupeta não poderia ser substituída por uma palavra, um carinho, um colo?

Antes de apresentar a chupeta ao bebê é importante perceber quem é que precisa dela, evitando, assim, a instalação de um hábito desnecessário e suas consequências.  O ideal é assegurar um tempo de observação e experimentação do bebê para ver se sua necessidade de sucção é suprida com a amamentação, se os gestos e palavras do cuidador dão conta de garantir-lhe conforto e segurança, e se chupar o punho ou o dedo é um comportamento corriqueiro.

A chupeta pode cumprir um importante papel para o bebê, desde que seu uso seja pensado e ponderado. No entanto, manter o bebê com a chupeta na boca ou automatizar sua oferta, pode revelar a crença – equivocada – de que bebês não se comunicam, não podem ser frustrados, são “manhosos” e suas manifestações têm sempre o mesmo sentido. Também, pode denunciar o quanto é difícil suportar chorosbirras, irritações e a sensação de não saber o que fazer em algumas situações.

O uso indiscriminado e prolongado da chupeta tem como consequência riscos que vão além das questões funcionais da boca e/ou da dificuldade posterior de eliminar um hábito; ele reforça e marca as relações do bebê com o mundo, em especial no que tange sua comunicação e autonomia.

Tal padrão de relações e comportamento pode se manter ao longo da vida, seja na forma de maior dependência do meio, seja na dificuldade em se expressar. Nesses casos, quando a criança deixa a chupeta, é possível que ela busque substitutos que tragam certa dose de tranquilidade, conforto e segurança, como chupar o dedo, roer as unhas, ingerir alimentos em excesso, e mesmo bebidas ou cigarro, os quais, como o objeto com bico de borracha ou silicone, continuará encobrindo angústias, ansiedades, medos e fantasias não compreendidas.

Permitir o uso da chupeta não significa que a criança estará sujeita a desenvolver outros hábitos orais. O que leva à manutenção destes hábitos não é a chupeta em si, mas seu uso sem discernimento, seu uso enquanto companhia e/ou silenciador de necessidades. Portanto, a chupeta, do ponto de vista emocional, pode ser um valioso objeto, desde que se possa pensar e considerar que ela tem momento para ser usada e, mais tarde, retirada.

Nota: Este texto, publicado pela primeira vez em 06/05/2013 no antigo blog Ninguém Cresce Sozinho, foi revisado e alterado minimamente em seu conteúdo original pela autora.

Imagem: Google.


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